Coragem, a resposta daquele que confia

em 29 de junho de 2022 por MAGIS Brasil

Escrito por Shirley Almeida

Muito se fala sobre coragem e, no senso do imaginário comum, logo que escutamos essa palavra, nos vêm à mente homens fortes, bravos, que parecem não temer nada, aquele estereótipo construído dos filmes hollywoodianos. Pense bem… foi isso que veio à sua mente? Ou você conseguiu imaginar, por exemplo, uma senhorinha franzina, no meio da seca nordestina, contando sua história de vida com alegria e oferecendo um cafezinho a você, um mero desconhecido? Ou conseguiu imaginar qualquer história de “mais um Silva” das periferias do mundo, que apesar das dificuldades, segue acreditando? Responder essas perguntas é necessário para confrontar até que ponto nossas mentes foram colonizadas a uma idealização capaz de nos tirar da realidade e assim nos enganar sobre vivê-la e transformá-la num lugar melhor. Ou, talvez, nos alienar sobre aquilo que somos verdadeiramente chamados e chamadas. Isso é importante também para nos situar sobre que tipo de coragem temos a falar. Falamos da coragem no seu sentido primitivo, não querendo dizer arcaico, mas genuíno. É a coragem que significa agir com o coração. É o lugar onde habita a plenitude, a certeza inabalável, o suspiro mais profundo, o encontro verdadeiro com a nossa verdade, ainda que seja, muitas vezes, o lugar mais difícil de ser habitado. Difícil, porque somos enganados diante das diversas tentações desse sistema opressor que nos quer crentes em um consumo que nos tira a sobriedade de ficar diante do essencial. Fundamental destacar que aqui não falamos de coisas, mas de escolhas, pois elas envolvem as nossas ações e nossas ações refletem a sociedade que somos chamados e chamadas a construir cotidianamente.

É essa a coragem que Inácio e seus companheiros experimentaram ao decidir anunciar a Palavra. E o fruto virtuoso de toda essa coragem deixou como herança a nós (a Igreja) a maravilha que são os Exercícios Espirituais e o testemunho de vida de cada um. A coragem verdadeira é a semeadura em terra boa, sempre gera frutos e suas sementes permanecem brotando de geração em geração.

Portanto, na semeadura da vida, o processo se desenrola em ter tempo para parar, se confrontar, ordenar os afetos e tomar consciência dos passos fundamentais para silenciar os barulhos, acalmar a mente e ouvir o coração.

Assim agiu essa comunidade inaciana em Vicenza, passados os quarenta dias, põe-se a caminho para colocar em prática os frutos recolhidos, anunciando em palavras e ações o que tinham rezado.

Contempla-se isso, por exemplo, duma carta de Inácio a Contarini: “Experimentamos mais e mais cada dia a verdade daquelas palavras: ‘Nada tendo e tudo possuindo’ (2 Cor 6, 10), todas as coisas, digo, que o Senhor prometeu dar por acréscimo a quantos buscam primeiro o reino de Deus e a sua justiça. Poderá algo faltar…àqueles, digo, cuja bênção é do orvalho do céu e da abundância da terra? Refiro-me àqueles que não estão divididos, àqueles que têm seus dois olhos fitos nos bens celestiais…” (Autobiografia 95).

Não há aqui o desejo de romantizar uma vida árdua, mas, ao contrário, é refletir sobre a tomada de consciência de que a confiança no Senhor nos faz ir mais longe, rompendo as barreiras que nos são impostas e indo à luta para construir a vida que queremos fazer viver, em nós e nos outros. Já dizia João Guimarães Rosa em Grande Sertão: Veredas:

“Todo caminho da gente é resvaloso. Mas também, cair não prejudica demais. A gente levanta, a gente sobe, a gente volta!… O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem. O que Deus quer é ver a gente aprendendo a ser capaz de ficar alegre a mais, no meio da alegria, e inda mais alegre ainda no meio da tristeza!”

Afinal, somos filhos e filhas do Ressuscitado.

E é nessa confiança e nessa inspiração divina que Inácio e seus companheiros superaram as dificuldades, avançaram sobre o medo, agiram com o coração e começaram a pregar, a mover muitas pessoas à devoção e “passaram a ter com mais abundância as coisas necessárias a vida”¹.

Em tempos tão duros, ainda que doentes dessa sociedade enganosa, façamos com os irmãos e irmãs que perderam a esperança assim como Inácio. Ele, mesmo doente, vai com Fabro visitar Simão Rodrigues que estava desenganado pelos médicos, mas que, com um abraço e boas palavras, reanimou-se. Diante da “sociedade do cansaço”, reanimemos uns aos outros e às outras dos desenganos da vida, fiquemos com o essencial e avancemos rumo à vida em abundância.

E, por fim, em outra reflexão sobre a coragem, nos diz o teólogo Rubem Alves:

“As asas da alma se chamam coragem. Coragem não é a ausência de medo. É lançar-se, a despeito do medo”.

Por quais céus somos chamados e chamadas a alçar voo?

Leitura Bíblica: 2 Cor 6, 3 – 10

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Veja também a última reflexão.


¹ Autobiografia de Santo Inácio de Loyola 95.