“Senhor, que nossos olhos se abram!” (Mt 20,33)

Os gestos terapêuticos de Jesus em favor da vida (curar e cuidar), brotam e são expressão dos seus sentimentos profundos. Ele se deixa afetar pela dor, pela miséria, mas também pela alegria dos mais pobres. Seu corpo deixa transparecer seus estados de ânimo: todos percebem. Nas contemplações, somos chamados a mergulhar nos sentimentos de Jesus, para que nossos sentimentos sejam cristificados. Com os sentimentos evangelizados realizaremos nossa missão, não como um burocrata frio e insensível, mas com paixão, ardor, ternura, companhia. E o sentimento que distinguiu e deu a tônica no exercício da atividade de Jesus é a compaixão.

A compaixão, que toma conta do coração de Jesus, é fruto do corajoso deslocamento para a margem, para a necessidade do outro. Os Evangelhos destacam os profundos sentimentos de humanidade, compaixão, empatia, ternura e solidariedade misericordiosa de Jesus. Porque amou e foi amado, seu coração experimentou a alegria e a tristeza, a felicidade e a saudade, a ternura e o sofrimento. Assim é o coração de Jesus, feito com as fibras da fortaleza e da coragem entrelaçadas com as fibras da compaixão e da ternura. Através de seus sentimentos, Jesus revela o rosto humano de Deus. Muitas vezes, nos evangelhos, é mencionado que Jesus ficou “comovido até as entranhas” e teve “frêmitos de compaixão”, trata-se de sentimento eminentemente humano.

Foi precisamente a compaixão do Pai que deslocou Jesus em direção das vítimas inocentes: os maltratados pela vida ou pelas injustiças dos poderosos. É a compaixão de Deus que faz Jesus tão sensível ao sofrimento e à humilhação das pessoas. Sua paixão pelo Deus da compaixão se traduz em compaixão pelo ser humano. A partir desta experiência de um Deus compassivo, Jesus vai introduzir um princípio de atuação, a compaixão. Por isso, é chegado o momento de recuperar a compaixão como a herança decisiva que Jesus deixou à humanidade, a força que deve impregnar a marcha do mundo, o princípio de ação que deve mover a história para um futuro mais humano. É a compaixão, ativa e solidária, aquela que nos há de conduzir para esse mundo mais digno e próspero querido por Deus para todos.

Nos evangelhos, a expressão “encheu-se de compaixão” não consegue traduzir a força da palavra original, que evoca as entranhas, o seio maternal. Jesus deixa transparecer os sentimentos de ternura maternal e de compaixão para com aqueles que estão na miséria. Ou seja, Ele não permanece insensível frente à realidade dos excluídos. Por isso, intervém para aliviar o sofrimento das pessoas. Jesus não passou friamente ao lado da fome, doença, angústia, morte. Não passou friamente ao lado das multidões e das pessoas sem horizonte e sem pastor. Na parábola do bom samaritano Jesus está nos dizendo: “vocês não tem o direito de passar ao largo do sofrimento e da miséria humana sem parar. Eu, o Filho do Homem, parei. Também meus(minhas) discípulos(as) devem parar”.

Ir até a outra margem

O samaritano não conhece o homem ferido, mas se deixa impactar pela situação dele, se solidariza com ele, olha-o com atenção e ativa um movimento interno que se expressa numa ajuda eficaz. Capta a dor e solidão do outro, e se comove até as entranhas. O abatimento daquele ferido o atinge no mais profundo. É precisamente isto o que Jesus deseja quando afirma: “sede compassivos como o Pai é compassivo”. Em sua mensagem e sua atuação profética pode-se escutar este grito de indignação absoluta, que o sofrimento dos inocentes deve ser tomado a sério, não pode ser aceito como algo normal, pois é inaceitável para Deus.

A compaixão que Jesus introduz na história reclama uma maneira nova de nos relacionar com o sofrimento que há no mundo. Para além de imperativos morais ou religiosos, Jesus está exigindo que a compaixão penetre mais e mais nos fundamentos da convivência humana e se torne um estilo de vida. A compaixão é força que impulsiona à ação, não se trata de uma relação de cima para baixo, de quem, a partir de uma situação superior e distante, faz concessões a quem lhe é inferior. A compaixão esvazia toda pretensão de poder, pois ela projeta a pessoa para o outro, torna a pessoa sensível ao clamor e às necessidades do outro. A compaixão rompe a couraça do “eu” que busca seus próprios interesses. O outro, sua necessidade e sofrimento, será sempre a alavanca que gera no coração humano a compreensão e o exercício da autoridade como verdadeiro serviço.

Se hoje há tanta desumanização é por causa da atrofia da compaixão. A compaixão é a entrada do ser humano no mundo do humano, ela é o perfume do humano que invade a humildade da vida, a sua fragilidade e sofrimento, e torna operativo o processo de humanização.

Texto Bíblico Lc 7,11-17  / Mt 9,35-38 /  Mc 1,40-45

 

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