Espiritualidade do encantamento

em 13 de janeiro de 2021 por MAGIS Brasil

“Ao ver uma planta, uma pequena erva, uma flor, uma fruta, um pequeno verme ou qualquer outro animal, Santo Inácio contemplava e levantava os olhos aos céus, penetrando no mais interior e no mais remoto dos sentidos” (P. Ribadeneira)

Para a pessoa que passou pela experiência dos Exercícios Espirituais, cada criatura torna-se uma irradiação de Deus, um lampejo do Absoluto, um recipiente onde se conservam gotas de transcendência. Cada vida, seja animal ou vegetal, é um cenário de manifestação de Deus. As criaturas são o habitat de Deus. Tudo fala de Deus, tudo manifesta e revela o seu Amor. Tudo pode ser lugar de encontro com Deus, tudo é sacramento de Deus (Deus nos fala a linguagem das coisas, das criaturas, dos acontecimentos, da festa). Tudo pode causar admiração e encantamento.   Como não se extasiar diante da majestade da Criação?

Para Inácio, tudo está amorizado, ou seja, cheio de Amor, tudo está cristificado e cheio de sentido. O cosmos abria para ele um espaço de totalidade, onde a graça de Deus, depois de consolá-lo, enchia sua existência de um desejo sempre maior de servir a Deus e ao próximo.A maior consolação que descobrira então era contemplar o céu e as estrelas. Fazia-o muitas vezes e por muito tempo, porque com isto sentia em si um muito grande esforço para servir a Nosso Senhor” (Aut. 11).

Santo Inácio vê uma bondade intrínseca em todas as manifestações do mundo visível. Para ele, não existe um dualismo entre homem e natureza, pois tudo é pensado e sentido globalmente a partir de Deus. A originalidade de Inácio está em enxergar a Criação a partir de Deus, “com os olhos do Amor”. A partir de Deus, o ser humano encontra seu lugar e sua relação com a natureza. Respeitando a singularidade de cada criatura e de seu estado vegetativo, sensitivo e racional, a beleza de Deus se faz presença, se visibiliza.

A beleza de Deus se difunde, se manifesta

E ao contemplar o esplendor da beleza de Deus revelada na Criação, a pessoa se sente seduzida, fascinada, se faz amorosa. A Criação nos fascina como o sol, nos atrai poderosamente e nos enche de entusiasmo. Esta experiência evoca um sentimento profundo de veneração, de encantamento, de reverência e respeito. O olhar contemplativo sobre a realidade ativa em nós o assombro, a admiração, o espanto. Diante da sacralidade da vida e do ser humano, diante das maravilhas do universo, o espanto é a única atitude condigna. As criaturas existem e são sustentadas pela força onipotente de Deus.

Ele continua trabalhando, re-criando, fazendo tudo novo. O mundo inteiro é um enorme sacramento do Amor. O universo se transforma num sacramento, num lugar e num espaço de manifestação da divina presença, todas as coisas são por excelência a revelação do sagrado. Ter fé é encarar de frente o mistério, e se encantar com ele. A fé é um encantamento e um mergulho confiante no infinito Amor de Deus, que aos poucos se manifesta a quem decide acolhê-lo com amor. E esta manifestação se realiza nas coisas simples da vida. Fé e encantamento andam sempre juntas. “É poeticamente que o ser humano habita a terra” (F. Holderlin).

Habitamos poeticamente o mundo

A cada momento, quando vemos o outro lado das coisas e outro mundo dentro do mundo de beleza e encantamento: sentimos, estremecemos, vibramos, nos enternecemos, ficamos encantados com a Criação e sua insondável vitalidade e beleza. Aqui o ser humano se descobre reconciliado com o universo que o cerca: “exclamação de admiração com intenso afeto, discorrendo por todas as criaturas” (EE 60).

A contemplação não pode ser compreendida de maneira passiva ou romântica, mas, ao contrário, ativa e interpelativa. É uma contemplação em que o belo, o fascinante e o diferente cativam os olhos, enchem a nossa interioridade de louvor e admiração. Contemplação é descobrir Deus em tudo. É sentir-se sempre em Deus. Contemplação é amar a Deus em todas as coisas e todas as coisas em Deus. É sentir-se amado por Deus em todas as coisas e amar a Deus em todas elas.

Texto Bíblico Hb 11,1-40 / Lc 12,22-32 / Ecl 18,1-14

 

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