“A amizade com os pobres nos faz amigos do Rei Eterno” (Santo Inácio)

 Começamos citando uma experiência da vida de Inácio, uma experiência na qual ele escuta o chamado do sofrimento alheio. Depois de Manresa, considerado como lugar e momento decisivo de sua experiência de Deus, Inácio toma o caminho para Jerusalém e embarca em Barcelona, em direção à Itália. Acontece, então, um fato que o próprio Inácio nos conta no número 38 da Autobiografia:

Dos que vinham no navio, ajuntaram-se em sua companhia uma mãe, sua filha vestida com roupas de rapaz, e um outro moço. Estes o seguiam, porque também mendigavam. Chegados a um casario, encontraram um grande fogo e muitos soldados junto dele. Estes lhes deram de comer e muito vinho, parecendo terem intenção de embebedá-los. Depois os separaram, colocando a mãe e a filha num quarto em cima, e o peregrino com o moço no estábulo. Mas, quando chegou à meia-noite, ouviu que lá em cima se erguiam grandes gritos. Levantando-se para ver o que era, encontrou a mãe e a filha embaixo no pátio, muito chorosas, lamentando-se de as quererem forçar. Veio-lhe com isto um ímpeto tão grande, que se pôs a gritar, dizendo: ‘Isto se há de sofrer?’ e semelhantes queixas. Dizia-as com tanta eficácia, que todos os da casa ficaram espantados, sem que ninguém lhe fizesse mal algum. O moço fugira e todos os três começaram a caminhar assim de noite.”

Este fato da vida de Inácio tem um profundo significado. Ele escuta os gritos de sofrimento de duas indefesas mulheres. Ao ouvir esses gritos, levanta-se de imediato, sem considerar outras circunstâncias (nem seu cansaço, nem sua inferioridade) e atua sem temor, com ímpeto e, como ele mesmo diz, com eficácia. Inácio acabara de fazer sua grande experiência mística em Manresa, e por sua forma de reagir e atuar descobrimos que esta experiência lhe fez especialmente sensível e ativo diante dos sofrimentos dos outros e o leva a intervir decididamente em favor dos mais fracos, sem pensar muito nas consequências.

Uma experiência autêntica de Deus

Essa experiência inaciana nos sugere algo que é de uma importância decisiva. Ou seja, que na experiência autêntica de Deus, encontramos o impulso mais forte, mais decisivo, mais libertador para responder, sem ambiguidades, ao chamado dos excluídos. É precisamente a força da experiência de Deus a que nos dá a capacidade de vencer todas as resistências internas e externas que nos aconselhariam fazer ouvidos surdos aos gritos daqueles que sofrem.

Ante o clamor da angústia, como não sentir compaixão
e solidariedade para com os “perdedores” da história?

A necessidade de olhar o excluído e de sentir sua exclusão como uma interpelação e um chamado não é para nós moda nem sectarismo, mas o núcleo mesmo de nossa experiência espiritual tal como aparece nos Exercícios Espirituais e tal como Santo Inácio a viveu. Nos Exercícios Espirituais se encontra um inerente potencial, fonte de inspiração para o ministério da justiça.

Nos Exercícios Espirituais se encontra uma relação entre o impulso espiritual de seguir o Senhor e a ajuda aos pobres. É claro que o ‘amor preferencial pelos pobres’ está contido nos Exercícios. S. Inácio confessa nos Exercícios que para o homem a busca de Deus não é autêntica se não passa pelo cuidado amoroso pelo mundo dos pobres, e que, reciprocamente, não existe perfeito cuidado do homem e de modo particular do homem pobre, que não seja fruto de um descobrimento do amor de Deus que vem do alto” (P. Kolvenbach).

A experiência de Inácio de Loyola desperta em nós a compaixão para com o outro que é excluído, marginalizado, pobre. Somos chamados a viver a solidariedade como um estilo de vida, fundado no modo de viver de Jesus. A solidariedade significa encontrar-se com o “mundo do sofrimento, da injustiça, da fome, e não ficar indiferente”. A solidariedade que nasce da compaixão leva a reconhecer no outro (sobretudo o outro que é excluído) uma dignidade e uma capacidade criativa de superar sua situação. Isto pede de nós uma atitude de abertura ao outro, o que implica colocar-se em seu lugar, deixar-se questionar e desinstalar por ele. Importa, pois, redescobrir com urgência a solidariedade como valor ético e como atitude permanente de vida. Não uma solidariedade ocasional, mas uma solidariedade cotidiana que se encarna nos pequenos gestos de serviço no dia-a-dia.

Texto Bíblico: Lc 16, 19-31 / Mc 6, 30-44 / Mc 1, 40-45 / Mc 10, 46-52 / Mc 7, 24-40

 

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