Preconceito: o monstro que nos devora por dentro

em 24 de julho de 2019 por MAGIS Brasil

“Não tem dor que perdurará, nem teu ódio perturbará” (Emicida)

Há um monstruoso réptil que habita as profundezas de nosso ser, devorando-nos continuamente e expelindo seu veneno mortal: o preconceito. Ele constitui o risco permanente em nossa vida, pois limita a realidade, estreita o coração, inibe o olhar e nos faz incapazes de acolher o bem e a verdade presentes no outro. O mal que o preconceituoso faz a si mesmo é enorme, pois acaba com sua saúde mental, atrofia seu desenvolvimento criativo, aniquila seus sonhos e esfria seus relacionamentos. Marcado pela impaciência e desprovido do espírito de leveza, o preconceituoso é incapaz de relativizar os problemas, vê inimigos e concorrentes por todos os lados e acaba numa extrema solidão.

Ele tem muitas dificuldades de relacionamento, não consegue estabelecer laços duradouros e nem vivencia os prazeres de uma boa companhia. Tal pessoa tem humor irritadiço, é triste, emburrada e entediada a ponto de não suportar mudanças e novidades. Não tolera o inesperado e o improviso da existência. Está o tempo todo petrificada em suas velhas e deformadas opiniões sobre tudo e sobre todos. O preconceituoso dá ao outro o que lhe sobra: autodesprezo e hostilidade. Ele é precipitado em julgar, apressado e ansioso na formulação de juízos sem critérios. Daí seu autoritarismo em não reunir provas, julgando à revelia, de acordo com sua vontade, chegando às raias do fascismo.

O sintoma principal é o  isolamento afetivo das pessoas

Geralmente, os preconceituosos são dogmáticos e fervorosos, muitos deles tornam-se fundamentalistas, com hostilidade e intolerância religiosa. Cegos para a verdade, eles preferem o autoengano ao conhecimento de fato, fincam pé naquilo que pensam que sabem, no que está estabelecido e normatizado, não se atualizam, não conseguem ver o novo e a necessidade de mudanças.

Ao tornarem absoluta uma verdade, se condenam à intolerância e passam a não reconhecer e a respeitar a verdade e o bem presentes no outro. Não suportam a coexistência das diferenças, a pluralidade de opiniões e posições, crenças e ideias. Daí surgem o conservadorismo radical, o medo à mudança, a violência diante da crítica, a suspeita, a vigilância, o controle autoritário.

A inflexibilidade da alma preconceituosa está ligada ao orgulho, ela tem aquela postura de que tudo sabe e tudo controla, carecendo da humildade de “saber que não sabe”. Não tem senso de igualdade e semelhança, e muito menos de compaixão. É aliada à ignorância, não admite que possa mudar de opinião. Está enraizada à tradição e às leis, quase sempre antiquadas e ultrapassadas. Apesar de se apresentar com ar de superioridade sobre os outros, a pessoa preconceituosa tem autoestima baixa.

Tod@ preconceituos@ é insegur@

Por isso aferra-se a seus caprichos como um náufrago à tábua que o mantém à tona. Enfim, o preconceito impede a pessoa de viver, de se abrir ao mundo, de ser espontâneo e de viver plenamente com folga.

Ingenuamente João, o discípulo amado, compartilha com o Mestre a atitude preconceituosa de proibir um homem de expulsar demônios em Seu nome. O estreitamento de mentalidade de João colide com a abertura do coração de Jesus. Para o Mestre, o que conta é o bem que se faz.  Jamais uma simples pertença grupal, uma simples afinidade ou mesmo proximidades culturais e sociais, podem substituir o bem que se deve praticar. Conta o bem que só pode ser feito em nome de Deus, só Ele é a fonte única do bem. Deus só está presente onde se pratica o bem. O bem que se faz não é, em hipótese alguma, contradição a Deus. A força do bem é a condição única para alargar o horizonte e superar toda atitude preconceituosa estreita. E o bem se torna valor absoluto, definindo a condição do verdadeiro discipulado. Ser discípulo de Jesus, portanto, é compreender a vida como altar de ofertas para o bem.

Com sua presença e ternura Jesus quebra as atitudes preconceituosas que delimitam friamente os espaços e alimentam proibições que impedem a manifestação da vida. O Mestre traz o dito simples e, aparentemente, tão insignificante da oferta de um copo d’água como remédio que cura a rigidez do preconceito e vence a incapacidade de perceber a ternura acolhedora de cada gesto e sua importância na construção da vida e na recriação da dignidade humana. Vale um copo d’água que se dá. Vale pela importância sempre primeira do outro, não importa quem seja, fazendo valer o princípio norteador do coração amoroso de Deus.

Texto Bíblico  Mc 9, 38-50

 

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