Não fomos educados a elaborar perguntas, mas quase que somente a conservar respostas. Injetamos respostas de perguntas que não foram feitas. Alguém já imaginou uma prova na qual o aluno pudesse elaborar suas próprias interrogações? Na realidade fomos educados a ter vergonha de perguntar, pois quem pergunta sempre é tachado de ignorante.

O grau de desenvolvimento de uma cultura está diretamente ligado ao tipo de questões que seu povo formulou. A Pedagogia Inaciana nos coloca diante do mistério das coisas, das pessoas, dos fatos, da criação. Por isso, em toda resposta, por mais objetiva que seja, ainda resta o inexplicável, em toda convicção permanece uma dúvida.

Em toda clareza persistem as sombras

A pergunta nos faz descobrir a grandeza no pequeno e o mistério naquilo que é óbvio. Ela nos faz ficar assombrados pela percepção do extraordinário presente naquilo que é cotidiano. Esta pedagogia própria, na esteira da filosofia humanista, se constitui numa atividade interrogante, que muitas vezes incomoda nossos hábitos normativos de proceder no campo da educação. É a avidez pelo perguntar que constitui a respiração da Pedagogia Inaciana. O assombro, a admiração e a dúvida fazem parte da mística inaciana. Assim, levantar perguntas e se sentir insatisfeito com as respostas prontas, formatadas, é o instrumental primeiro do processo educativo inaciano. Nessa perspectiva, toda resposta deveria propiciar às pessoas a liberdade e a coragem de perguntar, duvidar e questionar.

É lógico que as respostas são essenciais na vida, mas elas podem bloquear a capacidade criativa e a curiosidade de cada um de nós, fechando-nos num ciclo enfadonho de rotinas. Muitas vezes achamos inconveniente a alegria de perguntar, próprio das crianças. Esta atitude infantil habita em nós a vida toda, pode estar adormecida, mas a qualquer hora, dependendo da nossa decisão, pode emergir e tornar-se afeto, ânimo e criação. Quantas vezes nos surpreendemos fazendo perguntas existenciais para nós mesmos: Quem somos? Por quê fazemos isso? Tem sentido o que fazemos? Onde queremos chegar?

Perguntar-se também é um fenômeno inteligente para reativar as decisões pessoais. Questionar-se é provocar e descobrir-se na interioridade, não é agredir-se, mas reafirmar-se na própria identidade. A exterioridade periférica circula ao redor da pessoa, mas não sustenta o conteúdo humano denso, próprio da interioridade. Questionar-se é ser profundo, é tocar a intimidade mais sagrada da pessoa, é captar a efervescência criativa da existência. Por isso, questionar-se é reconhecer-se como pessoa profunda e não superficial, inquietar-se é sair do imobilismo tradicional para assumir o potencial humano criativo.

Precisamente, o traço identificador do discípulo é a pergunta. Toda a história interior de Santo Inácio é a história de um discípulo conduzido. Já em Roma, depois de muitas idas e vindas, quando tudo parece encaminhado e quase estabelecido, continuará fazendo-se a grande pergunta do discípulo: “aonde me quereis levar, Senhor?” (Diário Esp. 113). Porque, com frequência, buscado, discernido e aberto um caminho e tomada a decisão de adentrar-se nele, uma dificuldade inesperada e imprevista o bloqueia. E mais uma vez, a mesma pergunta: “quê hei de fazer” (Aut. 16; 63; 70; 74). O “buscar e encontrar”, para “desejar e eleger o que mais conduz” (EE 23), é um convite a situar-se como discípulo e a caminhar como tal, com o coração aberto para perguntas e pronto a envolver-se na realização da resposta escutada.

Inácio é o homem de perguntas   que faz, que se faz e que faz a Deus

Os Exercícios Espirituais procedem abrindo perguntas em momentos chave: são elas que alimentam a atitude de discípulo: “que fiz? que faço? que devo fazer?” (EE 53). As meditações inacianas, e mais ainda as contemplações, são induzidas constantemente por perguntas: “quem sou? “quê coisa são os homens? que posso ser? quem é Deus? (EE 58-59). Seria interessante coletar nos textos inacianos os verbos que acendem perguntas ou as supões: advertir, observar, maravilhar-se, examinar, buscar, sentir, refletir, inquirir, surpreender-se, eleger. Uns indagam sobre os fins (conteúdos, objetivos) ou sobre os modos (como). Outros abrem ou aceleram o processo de crescimento (para que mais). Algumas perguntas vem induzidas a partir de fora, da história, real ou imaginada, e mantém a pessoa no exercício permanente de “buscar e encontrar a vontade divina na disposição de sua vida para a sua salvação” (EE 01).

No que se refere aos Exercícios Espirituais, vale a pena recordar a sagaz percepção de Roland Barthes quando afirma que se trata do “livro da pergunta”, não da resposta. Com efeito, a mistagogia inaciana dos EE nunca se antecipa a oferecer soluções aos problemas pessoais, senão que ajuda a descobrir as verdadeiras perguntas que se encontram no coração do/a exercitante, que são aquelas que o mesmo Espírito lhe suscita.

Mais vale viver com uma pergunta  honesta,
que com uma resposta  muito rápida e falta.

 

Texto Bíblico  Mt 16, 13-19

 

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