Tempo dos estudos IV (Autobiografia, 76).

Escrito por Pe. Felipe Soriano, SJ

Não conseguindo encontrar um mestre que o recebesse como discípulo, Inácio consulta um frade espanhol que lhe aponta um caminho. De fato, o tema do financiamento para os estudos foi sempre uma constante em sua vida. Não encontrando remédio além de esmolas, decide Inácio acolher a orientação deste frade amigo: “Seria melhor ir cada ano a Flandres e pedir esmolas por dois meses e até menos, trazendo o que possa custear suas despesas todo o ano”. Certamente este frade espanhol possa ser João Castro, natural de Burgos (Espanha), que fez os Exercícios Espirituais com Inácio em Paris chegando, mais tarde, a entrar na Cartuxa.

Inácio não duvida da ideia, mas depois de recomendar a Deus percebe ser bom. P. Polanco é quem nos dá mais informações desse episódio inaciano, porque essa saída estratégia de Paris para conseguir recursos não significa desvio de rota. Segundo Polanco, os mercadores espanhóis de Bruxelas, Anvers e Londres costumavam prestar ajudas caritativas em dinheiro a alguns estudantes que lhes pedissem. A boa posição social destes mercadores flamengos, que gostavam de serem reconhecidos como mecenas, confessa seu lugar de influência social gozando de especial favor da corte do rei espanhol Carlos V.

“E usando este conselho, trazia cada ano da Flandres o necessário para viver. E uma vez foi também à Inglaterra e trouxe mais esmolas que as que costumava nos outros anos”.

Numa destas viagens, no ambiente maravilhoso de Bruges, ele foi convidado para jantar na casa do célebre humanista Luíz Vives. Atendendo a época litúrgica, comeram peixe, porque era quaresma. O humanista valenciano, aproveitando a ocasião por estar diante de um homem espiritual, criticou a prática da Igreja de se abster de carne. A resposta de Inácio foi pronta: “Tal prática acontece na vossa mesa e na de outros que dispõem de meios. Contudo, para a grande maioria, de modo nenhum”. Quem comenta o fato é o P. Polanco, fazendo referência ao apetitoso prato oferecido nas mesas de Flandres. No desfecho deste encontro temos o comentário do célebre Luíz Vives ao Doutor Pedro de Maluenda: “Este homem é um santo e será fundador de uma Ordem Religiosa” (Dalmases, 1984, p. 102).

Sabemos que Inácio esteve em Flandres nos anos de 1529, 1530, e 1531. Neste último ano foi também a Londres. No primeiro ano foi no tempo da quaresma e, nos outros dois, nos meses de agosto e setembro, isto é, tempo de recesso escolar. Mais tarde, os mercadores passaram a remeter dinheiro diretamente para Paris, para que Inácio não precisasse deixar os estudos. Essa prática era comum demandando estruturas financeiras que pudessem receber os recursos e emitir cédula de credito para evitar o seu mau uso.

Segundo, Araoz, Inácio ia fazendo uso destes recursos desta forma para si e em favor de outros estudantes pobres. Tal financiamento demandava algumas obrigações ao estudante que devia prestar contas dos recursos ao depositário geral e, por fim, aos financiadores. Com essa saída, Inácio conseguiu custear uma hospedaria de estudante, podendo estar próximo de outros como ele, dividindo quarto, dedicando tempo em conversas espirituais e fazendo amigos. Os recursos conseguidos por Inácio serviam também de refrigério para a necessidade de outros amigos mais pobres, pois saber fazer render o pouco que se tem é aprender a multiplicar os talentos que Deus nos dá.

Texto bíblico: Mt 25, 14-30.

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