“Entenda-se a justiça pela fé” (Rm 9, 30) (Autobiografia, 89)

Escrito por Filipe Mendes

O ser humano se caracteriza como um ser de relações voltadas para várias direções e se constrói na medida em que ativa esse complexo de relações totais. Santo Inácio viveu intensamente esse processo de construção de si mesmo e de generosa abertura para seu interior, para Deus, para o outro e para o mundo.

Inácio viveu uma profunda mudança interior e como ser humano integrado, unido a Cristo, já não é possível ser dividido: assim como o seu coração, o seu apostolado vai ganhando conotações mais universais. Seu olhar contemplativo traduziu-se na busca pela vontade de Deus para “em tudo amar e servi-Lo”.

Sem um coração contemplativo não se pode entender o significado do mundo em que devemos agir. Sem a fé podemos perder de vista a justiça e caridade. A fé nos ajuda a ler a realidade sendo sensível ao Mistério que a perpassa, fazendo emergir uma postura cristificada diante dela, ou, como diz o lema do ano inaciano: “ver novas todas as coisas em Cristo”.

Santo Inácio viveu sua fé adotando o Evangelho como um estilo de vida que sintetiza a dinâmica espiritual dos Exercícios Espirituais: estar sob a bandeira de Cristo (EE 137). A fé em Cristo, que tem a fisionomia dos pobres e sofredores, faz comprometer-se com o sonho d’Ele: o Reino de Deus já presente em nosso meio, em que surgirá um mundo onde os “pobres, famintos e sedentos de justiça, os que choram e sofrem, serão bem-aventurados”.

Nos Exercícios Espirituais, a contemplação do Rei Eterno nos ajudará a responder melhor ao chamado de Jesus Cristo (EE 91-98) e unir-nos a Ele na grande missão de trabalhar por um mundo melhor, mais belo, cheio de diversidade e complexidade. Santo Inácio dizia que “a amizade com os pobres nos torna amigos do Rei Eterno”.

Jesus veio para servir e nos dar vida plena. Passou trinta anos aprofundando-se no humano e no divino, fazendo coisas simples e de maneira simples, e no trabalho manual mais comum. Assim, conhece a humanidade sofredora a partir do trabalho e da dor. Em sua vida, Jesus nos ensina a levar a sério a nossa existência e aprender a caminhar do jeito de Deus, que não é igual ao nosso.

O desafio para seus discípulos está não só em alimentarmos a esperança da comunhão plena e futura com Ele e entre nós, mas já nesta vida crescermos nessa comunhão, no serviço, no amor e na justiça. Viver o Evangelho nos solidariza com os pobres, onde encontramos o Cristo presente nos crucificados da história.

Inácio abraçou a pobreza e se destacou no serviço aos pobres. Sua autobiografia diz que quando retornou à sua terra, atuou “em favor dos pobres, fez decretar que fossem providas suas necessidades de um modo público e habitual”. Assim, organizou uma obra de assistência pública e rotineira aos pobres, alcançando com isso a diminuição da mendicância, indo ao encontro da fome e das necessidades deles.

Aquele que está em comunhão total com Deus, com a própria pessoa, com os outros e com o mundo, tem em si tudo sem emendas. Compromete-se com a justiça e com as vítimas de estruturas injustas.

Peçamos a Deus que purifique nosso olhar e nosso coração, para deixar-nos guiar pelo Espírito de Seu Filho que nos leva à comunhão com Ele, libertando-nos de ideias, apegos, temores e preconceitos que nos travam e nos impedem de fazer o bem e lutar pela justiça. Que sejamos cristãos de verdade, unidos afetiva e efetivamente a Cristo, fazendo todas as coisas ao modo d’Ele, que nos chama a partir da dor do próximo.

Texto Bíblico: Is 58, 9-12 e/ou Jo 15, 8-17

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