“Todos comeram e ficaram fartos.”  (Mc 6)

A cultura pós-moderna defende uma solidariedade que se encaixa no “politicamente correto”. Uma sociedade que não cria problemas e que não visa a transformação social. A solidariedade é entendida como preço, como um valor rentável, como se tratasse de mercadoria. Solidariedade como espetáculo, solidariedade como campanha, solidariedade de consumo. Aqui não existem conflitos sociais, mas somente desgraças ocasionais, mascarando os problemas sociais, políticos e econômicos de fundo e pretendendo somente provocar reações emocionais e sensação de utilidade. São modelos de solidariedade que se encaixam como o denominado altruísmo indolor:  a solidariedade vale se não custa sacrifício e esforço e o compromisso é mínimo. São ajudas humanitárias que não resolvem os problemas nem suas causas estruturais.

A cultura cristã entende a solidariedade não como algo acrescentado, senão que pertence à estrutura mesma da condição humana, já que esta é relação e encontro. A solidariedade deixa de ser ocasional e passa a ser um estilo de vida, fundado no modo de viver de Jesus Cristo. A solidariedade como encontro significa encontrar-se com o mundo do sofrimento e da injustiça e não ficar indiferente.  Significa ter suficiente capacidade para refletir, ou seja, para analisar, o mais objetivamente possível, essa realidade inumana na qual vivemos.

Solidariedade como encontro

Significa viver de modo que a solidariedade constitua um pilar em nosso projeto de vida. Este modelo de solidariedade nasce da experiência do encontro com a realidade do outro, ferido em sua dignidade de ser humano. Trata-se de potencializar os processos de promoção e crescimento das pessoas e das comunidades com as quais se realiza a ação solidária.

Na solidariedade como encontro, os projetos não são fins, mas meios de crescimento e desenvolvimento humano. Os projetos formam parte de um processo global de promoção humana, de dinamização comunitária, de autogestão dos próprios problemas e soluções, de invenção de novas formas de aprofundamento na democracia de base. Assim, a solidariedade como encontro faz dos destinatários de sua ação os autênticos protagonistas de seu processo de luta por aquilo que é justo, pela resolução de seus problemas, pela consecução de sua autonomia pessoal e coletiva.

Encontramo-nos aqui diante da razão ética originária que não se baseia tanto numa compreensão da realidade, mas na compaixão com a pessoa do outro, excluído, dominado, marginalizado. “O mesmo amor de Cristo nos impele a estar próximo das pessoas e com elas em sua vida diária, percorrendo mais uma vez as ruas de nossas cidades para ler no coração de sua existência os sinais da ação do Espírito” (P. Kolvenbach).

Mas porque se envolver?

O envolvimento com o outro, que sofre dores talvez diferentes das nossas, nos conduz à autenticidade, à libertação de apegos e avareza, à liberdade para dar e receber e a uma imensa felicidade. Em seus olhos vemos o calor da atenção, o brilho da dignidade, o lampejo do humor, a faísca do protesto. Vemos também as lágrimas da tristeza, do medo e da insegurança, o sofrimento da rejeição, a escuridão do desespero. O encontro com o outro dá um toque especial à nossa espiritualidade e nossa espiritualidade faz nossa ação mais radical, mais enraizada em si mesma e indo mais a fundo nas raízes da injustiça. Aproximar-se da pessoa marginalizada e deixar-se afetar pelo seu sofrimento torna-se a maior fonte de nossa espiritualidade. Suas limitações suscitam o melhor em nós mesmos e ao nos envolver afetivamente em sua vida fazem com que vivamos uma mistura de ternura e indignação, a que chamamos compaixão.

Nas experiência de convivência com pessoas em situação de marginalização adquirimos os valores evangélicos da capacidade de celebrar, da simplicidade, da hospitalidade. Essas pessoas tem um jeito de nos trazer de volta para o essencial da vida. Elas são uma fonte de esperança, uma fonte de autenticidade. Elas se tornam nossos amigos.

Texto Bíblico  Mc 6, 30-44

 

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